quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Os primeiros dias na nova casa

Desde que a Safira chegou, eu e o Nuno temos dispendido todas as nossas energias nela. Ela está a demonstrar aos poucos a sua personalidade e à medida que se adapta à sua nova vida, vai ganhando confiança.

Todos os dias a temos levado à rua várias vezes. Nos 2 primeiros dias levei-a em alturas menos agitadas e em passeios mais curtos. Descobrimos que a Safira não gosta de relva e recusa-se a aceitar qualquer tipo de petisco quando está na rua. Também descobrimos que tem medo de várias coisas e se acanha quando não conhece.

Não estamos minimamente preocupados com isso. Ela apenas precisa de reaver a sua auto-confiança e é nisso que estamos a trabalhar. Como tal passeios curtos e usando sempre a mesma rota, para que se torne um hábito.


Ontem de tarde levei-a a um sítio novo, a um jardim que há no cimo da avenida perto de uma escola. Ela portou-se que nem uma valente, meio reticente e sempre a olhar para mim, para certificar-se que eu não fugia e lá chegamos. Pelo caminho encontramos muitas pessoas, crianças e outros cães. Ela demonstrou a natureza dela, esticando as orelhas às crianças que lhe achavam uma piadão, abanando o rabito aos adultos e ignorando os outros cães.


Com os outros cães, a Safira demonstra ser um autêntico às em decifrar as suas itenções.


Um labrador que estava do outro lado da rua, pronto para atravessar para o nosso lado, estava a ser totalmente ignorado. Quando nos aproximamos percebi porquê, ele atirou-se à Safira, com jeitos trapalhões e pouco amigáveis. Mantive a trela sempre frouxa e não me exaltei, não quero que a Safira se sinta mais nervosa por causa das minhas reacções.


Não me afasto dos outros cães, e deixo que ela vá dizer "olá" ao jeito canino, de cheirar rabiosques. Aqui trata-se de ensinar à Safira que eu dou-lhe o que ela quer (deixo-a dizer olá aos outros cães) se ela me der o que eu quero (depois de dizer olá, eu digo vamos e ela nem hesita em prosseguir caminho).


Já perto de casa encontramos dois cães sem trela que vieram direitos à Safira. Eu não evitei que eles se aproximassem, primeiro porque sabia que não havia perigo (anos a observar linguagem canina) e depois porque eram os outros que estavam soltos e não a Safira.


O primeiro foi uma brincadeira pegada, desataram os dois aos pinotes e a fazer vénias de brincadeira. A dona do cão, estava especada a olhar, ao fim de alguns minutos, disse "vamos" e a Safira prontamente deixou e prosseguiu caminho. Estamos no bom caminho! O segundo um castanho pequenito leu as notícias do dia no rabiosque dela e continuaram satisfeitos.


É preciso saber que estamos sempre a treinar os nossos cães, eles estão constantemente a aprender connosco, mesmo quando fazemos coisas básicas e curriqueiras como passear na rua.

Quando chegamos a casa, fui para a cozinha com ela, e cortei um bocadinhos de queijo (descobrimos que ela adora queijo) e comecei a dar-lhe, passados nem 1 mnt chegou o Jaime (que adora queijo... pronto ele adora comer, qualquer coisa serve).

Ao início o Jaime colocou-se em cima da mesa. Mas eu desta vez "subi a barra" e exigi mais de todos. Se o Jaime queria o pedaço de queijo dele, teria que sair de cima da mesa. Nem 1 mnt demorou e já estava sentado ao lado da Safira. Parecia o elefante e a pulga. A única coisa que os interessava era o queijo na minha mão, as maravilhas da desensitização a funcionar à plena vista.

Depois de 5 mnts disto, levei-a para o escritório, onde ela passa a maioria do tempo (e nós também) e dei-lhe um Dentastix. Ela roeu aquilo tudo em 30 segundos e adormeceu. Eu continuei o meu trabalho e só parei para pôr a música mais alto porque nem ouvia nada com os roncos dela.


Á noite o Nuno chega do trabalho e dá-lhe kilos de mimos, deita-se no sofá da Safira e lambusam-se os dois. É realmente um ritual. Depois enquanto faço o jantar, o Nuno leva-a para a minha beira na cozinha faz um pouco de treino de clicker com ela.


O senta e o deita são os primeiros comandos que estamos a ensinar. Ela já deita sem comida na mão e já senta direitinho em várias ocasiões. Também já a ensinamos a palavra espera, para que ela fique à espera quando colocamos a trela, quando abrimos a porta para sair e antes de atravessar na passadeira. Até agora ela está a aprender bem e rápido e a confiança dela vai subindo aos poucos.

Hoje vamos passar o ano com ela, em grande e depois manda-mos mais notícias!

Lambidelas a todos da Safira

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A história da Safira pelas palavras de Nádia


No final de Junho de 2008, surgiu um pedido de ajuda relativo a uma “cadelinha cruzada de pitbull” que se encontrava na rua, e em péssimo estado. Esta cadelinha era a “nossa” Safira.
Foi levada a um veterinário, que lhe diagnosticou Leishmaniose apenas pelo péssimo estado em que se encontrava, . Prescreveu-lhe alguns medicamentos, e referiu que a cadelinha deveria ser rapidamente internada para iniciar o tratamento. Mas mesmo assim, pela impossibilidade de a manterem numa clínica, e de manterem o seu tratamento, no mesmo dia a Safira foi deixada de novo na rua no local onde a tinham resgatado.

O seu apelo tocou-me, não só pelas fotos que não conseguiam demonstrar o verdadeiro estado da cadela, mas por apesar dos esforços, desistiram sem sequer tentar, voltando a colocá-la na rua, deixando-a de novo à mercê de tudo o que lhe tinha feito mal.
Não consegui ficar indiferente, e mesmo sem a conhecer pessoalmente, disponibilizei-me para pagar a medicação.
Pelo que sei, ia uma pessoa medicá-la, com o tratamento que o veterinário tinha descrito, mas seria isto uma solução para a Safira?
Mesmo estando num momento complicado da minha vida, sem tempo algum, tentei sempre, até ao momento que ela foi resgatada, que se encontrasse uma solução para a menina. Mas não havia nenhuma família de acolhimento temporário (FAT) disponível, nem a pessoa “responsável” por ela tinha disponibilidade financeira para a colocar em hotel.

Envolvi-me sempre no seu apelo, achei sempre que a Safira merecia a sua oportunidade.

Entretanto, como sempre na vida, surgiram várias opiniões relativamente ao que se deveria fazer com a Safira. Uns acreditavam no diagnóstico que o veterinário que a observou tinha feito, e como tal dado o estado dela, eram da opinião de que não deveria sofrer mais; outros pensavam que se deveria fazer algo rapidamente, mas uma vez que ninguém se decidia, nem tomava qualquer atitude, talvez o melhor para a menina fosse não sofrer mais. Outros havia ainda que sugeriam ouvir uma segunda opinião relativamente ao diagnóstico feito pelo veterinário, e confirmar efectivamente o diagnóstico da Leishmaniose. Se esse não se confirmasse, porque não dar uma oportunidade à Safira?

Já em Julho, e depois de verificar que quem era responsável pela Safira pouco ou nada fazia pelo bem-estar da cadelinha, tomei uma decisão, era urgente resgatá-la, ouvir outro veterinário, e dar-lhe a sua oportunidade.

A Safira era uma menina, que apesar do seu visível estado, e do seu sofrimento, notava-se em cada gesto, em cada olhar, que queria agarrar-se a alguém que lhe desse “aquela” oportunidade.
Cada encontro com ela era um misto de sentimentos. A cadelinha vinha ter com as pessoas a ganir com as poucas forças que ainda lhe restavam, o seu cheiro era indescritível, o seu corpo coberto de feridas, de chagas ainda por sarar, de tanta comichão que tinha, o seu olhar de desespero, de implorar por um gesto de carinho, o seu coxear momentâneo, não há palavras…

Quando a vi pela primeira vez, no dia do resgate, pensei “como é possível deixarem-te chegar a este estado?”. Nem as fotografias tiradas conseguiam demonstrar o verdadeiro estado em que ela se encontrava.
Sem qualquer dificuldade entrou para dentro do carro, e ali se deitou, agarrando esta oportunidade que lhe estávamos a dar.

Vários pensamentos me vieram a cabeça “o que fazer agora?”, “que decisão tomar se efectivamente a Safira tiver Leishmaniose?”, “e se a eutanásia, que tantas pessoas defendiam, for mesmo a solução?”…
Naquela noite, acordei de vinte em vinte minutos, não conseguia dormir só de pensar na decisão que teria de tomar no dia seguinte. Levantava-me e ia ver como estava a Safira. Mas assim que me via acordava do seu valente sono, abanava o rabo com tanta força, gania como eu nunca ouvi ganir nenhum cão, fazia as suas queixas todas, só queria atenção, festas, mimos, carinho.

No dia seguinte a Safira foi levada ao veterinário para uma segunda opinião. Felizmente a veterinária que a observou partilhava da nossa opinião, primeiro havia que realizar um teste específico para a Leishmaniose, e depois consoante o resultado, avançar para outro possível diagnostico, ou para uma decisão.
A Safira deu resultado negativo à Leishmaniose. Havia então que examiná-la mais exaustivamente, realizar diagnóstico concreto, e iniciar tratamento.

O que a Safira tinha era o que muitos meninos que vivem sempre na rua têm, alergia à picada de pulga, possivelmente sarna demodécica, bem como fungos parasitas oportunistas no corpo e nas patas. Também tinha calos tanto na zona traseira, como nos cotovelos das patas, fruto de quem viveu sempre na rua, e que dormia no chão.

Diagnóstico feito, havia que iniciar tratamento, e ser optimista, afinal de contas, segundo a própria veterinária “dois meses apenas, e a Safira não há-de parecer a mesma!”.

A nossa felicidade era grande, mas também a apreensão apoderou-se de nós. O que fazer agora? Iniciar o tratamento sim, mas e local para a Safira ficar?
Depois de reunidas muitas ajudas, depois de se decidir dar-lhe a oportunidade que a Safira merecia, a menina passou por uma família de acolhimento remunerado (FAR), por uma FAT, e finalmente conseguiu-se colocá-la em hotel.



A sua recuperação foi de longe, surpreendente. Em pouco tempo se notavam melhoras. Ora era o pêlo que crescia nas zonas onde se pensavam que se calhar nunca mais cresceria, ora a comichão que já não apoderava a menina, ora as cicatrizes que saravam e davam lugar ao nascimento de pêlos, ao nível da sua saúde e do seu bem estar foi uma evolução tremenda.
Psicologicamente e fisicamente, de dia para dia, semana para semana, a Safira evoluía. Passou de uma menina calma, meiga, mas muito parada, cheia de comichões, sem pêlo quase algum, para uma menina calma, meiga, mas que adorava as pessoas, estar perto delas, receber todo o carinho, todo o amor, as festas, a brincadeira, as corridas. Retribuía em cada gesto, em cada olhar tudo o que estava a ser feito por ela, e para ela.

Íamos visitá-la muitas vezes por semana durante as nossas férias. Mas assim que se iniciaram as aulas, teve de passar a ser apenas uma visita semanal.
Mesmo assim, era ver-nos chegar e a Safira sabia que tinha chegado o seu momento.
Muitas visitas recebeu, muitas ajudas, apoio, divulgação. Muitas pessoas se reuniram em prol do bem estar, da saúde e da felicidade da Safira.

Uns ajudaram a nível monetário, outros na divulgação, outros em géneros (como alimentação, mantas, etc.), outros com o seu simples apoio (mas que valeu de muito em todos os momentos), doando medicação, facultando-nos a possibilidade de a Safira ser esterilizada, vacinada e microchipada, incluindo as pessoas que a queriam conhecer, lhe queriam fazer visitas. Surgiram até as madrinhas da Safira. Cada um ajudava da sua maneira. Todos foram muito importantes, todos juntos contribuímos para o bem-estar, a evolução, e a felicidade da Safira.
Tentámos sempre proporcionar-lhe tudo de bom, todos os momentos agradáveis, e tudo o que ela precisava.

Para além das habituais necessidades a nível da estadia no hotel, alimentação, medicação, cuidados, entre outros, existiam sempre os brinquedos, os mimos, as festas, os passeios, a brincadeira, as corridas, os ossinhos prensados.

Foi assim durante bastante tempo…

O tempo passava, e apesar de visivelmente recuperada e feliz, a oportunidade final da menina, o direito a uma família, um lar, parecia que nunca mais chegava.
Todos acreditavam que essa oportunidade haveria de chegar, ela merecia!

Recebi muitas mensagens de possíveis interessados na Safira. Mas existia sempre alguma coisa que não permitia que a oportunidade dela chegasse, ora porque as pessoas interessadas não pareciam de confiança, ora porque tinham outros animais, e tinham de zelar pelo bem-estar dos seus.

Quando recebi a primeira mensagem por parte da Cláudia e do Nuno, respondi cordialmente, e expus a situação da Safira. Fomos mantendo contacto, fomos-nos conhecendo, mantendo sempre o elo de ligação, o interesse pelo bem-estar e pela felicidade da Safira.



O Nuno e a Cláudia disponibilizaram-se, mesmo vindo de longe, para fazer uma visita à menina. Conhecemo-nos pessoalmente, e notou-se que a empatia entre a Safira e eles existia. A Safira com a sua calma, a sua meiguice, a sua humildade conquistou-os logo.



Ficámos todos muitos felizes, mas havia um senão. A Safira teria de reagir, pelo menos, não negativamente perante os outros elementos do agregado familiar da Cláudia e do Nuno, o Jaime e a Sofia (os gatos).

Combinámos então levar a Safira num passeio até ao Algarve (local onde residem), e tentar perceber a reacção de todos, nomeadamente da Safira com os gatos.


Dia 28 de Dezembro de 2008, foi o dia da viagem da Safira até ao Algarve.
Dormiu praticamente a viagem toda. Trazia consigo todos os seus pertences, na esperança de que pudesse ser esta a oportunidade porque tanto esperava.

Mal chegou a casa do Nuno e da Cláudia, quis conhecer tudo. Depois de algum tempo sentia-se completamente à vontade. Queria sempre estar perto das pessoas, receber os mimos, as festas, as brincadeiras. Queria dar a sua atenção, os seus mimos, as suas lambidelas.

O teste com os gatos correu pela positiva, a Safira tinha alguma curiosidade, mas ignorou a presença dos mesmos.
Foi vê-la depois saltar para o sofá onde estavam sentados a Cláudia e o Nuno, quase dar as suas tão conhecidas “cambalhotas de sofá”, enroscar-se entre eles, dar a barriguinha para festas.


Esse foi o momento que mais me marcou, foi ai que percebi que ela estava no lugar certo, que era ali que ela queria ficar. Percebi também que já não a trazia de volta comigo…

Mesmo assim, sentia-me feliz, muito feliz, por ela!

A Safira teve a sua oportunidade, a oportunidade pela qual sempre esperou, uma família, um lugar para morar, muito amor e carinho, longe do frio, longe das estradas que percorria, longe da fome que deve ter passado, longe das ruas por onde andava, onde dormia...

Hoje a Safira é feliz!

Nádia Cirilo